Em um movimento que solidifica a tendência mais crítica de 2025, a startup de energia nuclear Last Energy anunciou nesta quarta-feira (17) o fechamento de uma rodada de investimento Série C de US$ 100 milhões. Liderada pelo Astera Institute, com participação de pesos pesados como Gigafund e Galaxy Fund, a injeção de capital tem um objetivo claro e urgente: fabricar micro-reatores nucleares em massa para saciar a fome insaciável de eletricidade dos data centers de Inteligência Artificial. O anúncio ocorre em um momento em que o setor de tecnologia enfrenta seu maior gargalo físico: a falta de energia confiável e limpa para treinar e operar os modelos de IA de próxima geração.
A transação não é apenas mais um cheque do Vale do Silício; é a confirmação de que a infraestrutura da internet está passando por uma metamorfose atômica. Com sede em Austin, Texas, a Last Energy promete uma abordagem radicalmente diferente das usinas nucleares tradicionais, oferecendo reatores modulares que podem ser instalados diretamente no “quintal” dos data centers, eliminando a dependência de redes de transmissão sobrecarregadas e instáveis.
O Que Você Precisa Saber: A Tecnologia Por Trás do Hype
A proposta da Last Energy difere drasticamente dos projetos faraônicos de engenharia civil que historicamente definiram a energia nuclear. A empresa aposta no conceito de SMR (Small Modular Reactor), mas levado ao extremo da miniaturização e padronização.
- Micro-Reatores PWR-20: A tecnologia principal é o reator PWR-20, uma unidade de água pressurizada capaz de gerar 20 megawatts de eletricidade (MWe). Para colocar em perspectiva, um único data center de hyperscale moderno pode demandar de 100 a 500 MW, o que significaria a instalação de uma “bateria” de 5 a 25 desses reatores no local.
- Plug-and-Play Nuclear: Segundo o CEO Bret Kugelmass, os reatores são entregues no local pré-abastecidos com urânio suficiente para seis anos de operação ininterrupta. Não há reabastecimento no local; ao final do ciclo, a unidade inteira é trocada, reduzindo riscos operacionais e complexidade logística.
- Design Selado: O sistema é encapsulado em aço e não possui penetrações além das conexões elétricas e de controle, minimizando drasticamente o risco de vazamentos ou acidentes. O calor gerado no núcleo é transferido para um ciclo secundário de vapor que move as turbinas, mantendo a radiação contida.
- Investidores de Peso: A presença do Gigafund (conhecido por apoiar a SpaceX) e da Woori Technology sinaliza uma aposta na escalabilidade industrial, não apenas em pesquisa e desenvolvimento.
A empresa já possui acordos comerciais na Europa, especificamente no Reino Unido e Polônia, onde a regulação para SMRs tem avançado mais rapidamente do que nos Estados Unidos, embora a pressão das Big Techs em 2025 esteja forçando o regulador americano (NRC) a acelerar processos.
Análise Quantum: O Gargalo Físico da Inteligência Artificial
Como analistas do Quantum News, observamos o cenário de 2025 com uma certeza: a Lei de Moore não está sendo freada pela física dos transistores, mas pela física da termodinâmica. O anúncio da Last Energy é o sintoma mais agudo de que a IA atingiu o “Muro da Energia”.
Historicamente, a computação era limitada pela velocidade do processamento. Hoje, ela é limitada pela capacidade de resfriamento e fornecimento de energia. Estima-se que uma consulta complexa em um modelo multimodal de 2025 consuma até 30 vezes mais energia que uma busca tradicional no Google de 2023. Multiplique isso por bilhões de usuários e agentes autônomos, e a conta energética global simplesmente não fecha com fontes eólicas e solares, que sofrem com a intermitência.
A energia nuclear ressurge, portanto, não por ideologia, mas por necessidade matemática. O modelo da Last Energy — descentralizado, modular e privado — ataca o problema central das redes elétricas (o “Grid”) que não conseguem expandir a transmissão na velocidade que a IA exige. Ao colocar a usina dentro do data center (o modelo “behind-the-meter”), as Big Techs se tornam autossuficientes, blindando suas operações da instabilidade das redes públicas.
Estamos testemunhando o nascimento da “Nuclear 2.0”. Se a Nuclear 1.0 era governamental, lenta e focada em segurança nacional, a Nuclear 2.0 é privada, ágil e focada em segurança computacional. O risco, claro, muda de natureza: a proliferação de material nuclear em milhares de locais privados traz desafios de segurança física e cibernética que ainda não foram totalmente mapeados. Contudo, o mercado decidiu que o risco de ficar sem energia para a IA é economicamente maior.
Impacto no Brasil e na América Latina
Para o Brasil, esta notícia ecoa com particular relevância e ironia. O país possui a 6ª maior reserva de urânio do mundo e uma matriz elétrica invejavelmente limpa, baseada em hidrelétricas. No entanto, o setor nuclear brasileiro caminha a passos lentos, ainda focado na conclusão da usina de Angra 3, um projeto desenhado na lógica do século passado.
O Brasil é o principal hub de data centers da América Latina, concentrando operações da AWS, Microsoft, Google e Oracle, especialmente no estado de São Paulo. A chegada da tecnologia de SMRs como a da Last Energy poderia revolucionar o setor nacional. Imagine data centers instalados em regiões remotas do Nordeste ou Centro-Oeste, alimentados por micro-reatores, sem depender das linhas de transmissão que hoje limitam a expansão industrial.
Entretanto, o obstáculo no Brasil não é tecnológico, mas regulatório. A Constituição Brasileira e as normas da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) mantêm o monopólio da União sobre a atividade nuclear. Para que startups como a Last Energy operem aqui, seria necessária uma flexibilização legislativa profunda, permitindo a operação privada de SMRs sob supervisão estatal. Sem isso, o Brasil corre o risco de ver seus vizinhos menos regulados atraírem os investimentos trilionários da infraestrutura de IA, exportando apenas a commodity (urânio) enquanto importa a inteligência processada.
O Veredito: A Nova Era da Energia
O investimento de US$ 100 milhões na Last Energy em dezembro de 2025 será lembrado não pelo valor monetário — que é troco para as Big Techs — mas pelo marco simbólico. Ele oficializa o casamento entre o Vale do Silício e a energia atômica. A era da “culpa nuclear” acabou; a era da “necessidade nuclear” começou.
Para investidores e profissionais de tecnologia, a mensagem é clara: o futuro da computação é quente, denso e radioativo. A infraestrutura digital do futuro não será construída apenas com código, mas com isótopos. Quem dominar a cadeia de fornecimento de energia compacta dominará a capacidade de processamento global.