O Fim de Uma Era: Arábia Saudita Assume Controle da Electronic Arts por US$ 55 Bilhões
Em um movimento histórico que reconfigura o mapa de poder da indústria global de entretenimento, os acionistas da Electronic Arts (EA) aprovaram oficialmente, nesta semana de Natal de 2025, a venda da companhia para um consórcio liderado pelo Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita. O acordo, avaliado em impressionantes US$ 55 bilhões, marca a maior aquisição de privatização (take-private) na história dos videogames, superando manobras financeiras anteriores do setor.
A votação, realizada na segunda-feira e confirmada por comunicados oficiais nesta quarta-feira (24), encerra mais de quatro décadas de independência da EA como empresa de capital aberto na Nasdaq. Com a aprovação esmagadora dos investidores, atraídos por uma oferta de US$ 210 por ação (um prêmio de 25% sobre o valor de mercado anterior), a gigante por trás de franquias como EA Sports FC (antigo FIFA), The Sims e Battlefield prepara-se para se tornar uma entidade privada sob controle majoritário saudita.
Este negócio não é apenas uma transação financeira; é a consolidação da estratégia Vision 2030 do Reino da Arábia Saudita, que busca diversificar sua economia para além do petróleo, transformando-se em um hub global de tecnologia e entretenimento. No entanto, a aquisição levanta questões complexas sobre geopolítica, liberdade criativa e o futuro das franquias mais amadas do mundo.
O Que Você Precisa Saber
Para entender a magnitude deste acordo, é preciso olhar para os detalhes que muitas vezes escapam às manchetes principais:
- Controle Quase Total: Após a finalização do acordo, o PIF da Arábia Saudita deterá 93,4% da Electronic Arts. O restante será dividido entre a Silver Lake (5,5%) e a Affinity Partners (1,1%), firma de private equity liderada por Jared Kushner.
- Liderança Mantida: Apesar da mudança de propriedade, Andrew Wilson permanecerá como CEO da EA. A sede da empresa continuará em Redwood City, Califórnia, uma tentativa clara de acalmar os ânimos dos desenvolvedores e do mercado ocidental sobre possíveis interferências culturais imediatas.
- Integração com a Savvy Games: O PIF já possui a Savvy Games Group, proprietária da ESL (gigante dos esports). A aquisição da EA cria um ecossistema onde o dono dos torneios também passa a ser o dono dos jogos, centralizando um poder inédito no cenário competitivo.
- Barreira Regulatória: Embora os acionistas tenham dito “sim”, o negócio ainda precisa passar pelo crivo de reguladores antitruste nos EUA e na União Europeia. A presença de figuras políticas no consórcio pode tanto acelerar quanto complicar essa aprovação em Washington.
Análise Quantum: A Nova Geopolítica dos Games
A compra da Electronic Arts pela Arábia Saudita é o capítulo mais agressivo do que podemos chamar de “Soft Power Digital”. Durante décadas, a influência cultural americana foi exportada através de Hollywood. No século 21, essa influência viaja através de servidores de jogos e microtransações. Ao adquirir a EA, Riad não está apenas comprando códigos e licenças; está comprando acesso direto à sala de estar de centenas de milhões de jovens ao redor do globo.
Do ponto de vista de negócios, a estratégia é impecável. O petróleo é um recurso finito; a propriedade intelectual (IP) de franquias como The Sims é renovável e gera receita recorrente perpétua. O PIF está efetivamente trocando “ouro negro” por “petróleo de dados”. Com 93,4% de controle, a EA deixa de ser refém dos relatórios trimestrais de Wall Street, o que, teoricamente, permitiria ciclos de desenvolvimento mais longos e arriscados — algo que a indústria criativa pede há anos.
Entretanto, o elefante na sala é a questão dos valores e da censura. A EA sempre se posicionou na vanguarda da inclusão, com representatividade LGBTQIA+ forte em títulos como Dragon Age e The Sims. Como isso coexistirá com as leis conservadoras do novo proprietário majoritário? Embora Andrew Wilson garanta que a “liberdade criativa” será mantida, a história das fusões corporativas nos ensina que a cultura de quem assina o cheque eventualmente permeia a cultura de quem recebe o pagamento. Estamos diante de um teste de estresse inédito: pode uma empresa ocidental progressista manter sua alma sob o controle absoluto de uma monarquia absoluta?
Impacto no Brasil
Para o público brasileiro, o impacto é direto e profundo. O Brasil é um dos maiores mercados do mundo para a franquia de futebol da EA (agora EA Sports FC). Sob a nova gestão, podemos ver dois cenários distintos. O otimista: o PIF, que já investe pesadamente em esports através da ESL (que organiza torneios no Brasil), pode injetar capital para localizar ainda mais conteúdos, trazer servidores de latência zero para a América do Sul e fomentar ligas locais com premiações astronômicas, seguindo o modelo da Copa do Mundo de Esports em Riad.
O cenário cauteloso envolve o custo. O objetivo do PIF é retorno sobre investimento. Com a EA privada e precisando pagar a dívida da aquisição, poderemos ver uma agressividade ainda maior nas microtransações (os famosos Ultimate Team packs), encarecendo o hobby para o jogador brasileiro, que já sofre com a conversão do dólar.
O Veredito
A aprovação dos acionistas da EA sela o destino da empresa, mas abre a caixa de Pandora da indústria. Com a Microsoft dona da Activision Blizzard e a Arábia Saudita dona da Electronic Arts, o mercado de games deixou de ser uma disputa entre “Sony vs. Nintendo” para se tornar um jogo de xadrez entre superpotências corporativas e estatais. Para o jogador, resta torcer para que, no meio dessa guerra de bilhões, a diversão não se torne apenas mais um ativo em um portfólio de investimentos.